Atualmente, a fertilização in vitro (FIV) é a mais complexa técnica de reprodução assistida. Ela é indicada para a maioria dos casos de infertilidade e apresenta as mais altas taxas de sucesso de gravidez. Por essa razão, ela se tornou a técnica de reprodução assistida mais procurada e realizada no mundo.
A individualização do tratamento, no entanto, é fundamental para que o casal consiga atingir seu objetivo maior, que é a gravidez. É importante ouvir e acolher tanto o homem como a mulher, que chegam ao consultório fragilizados. Muitas vezes, é difícil lidar com essa dificuldade, por isso oferecemos apoio integral às necessidades e angústias do casal.
O tratamento da infertilidade vai além do sucesso da gravidez. Ele envolve qualidade de vida e tranquilidade ao longo do processo.
Essa individualização requer estudo e análise detalhada de cada caso, uma investigação minuciosa do que pode ter desencadeado a infertilidade.
Neste texto, vamos abordar diversos assuntos relacionados à FIV para mostrar, de modo geral, como acontece o tratamento.
O que é FIV?
A FIV é uma técnica de reprodução assistida que envolve uma série de procedimentos de alta complexidade para aumentar as chances de gravidez. Para isso, uma grande parte do processo de fecundação e desenvolvimento embrionário é feita em laboratório, permitindo que o embriologista acompanhe o processo e aumente as chances de sucesso.
O embriologista é o profissional especializado em embriologia, ramo da biologia que estuda a formação e o desenvolvimento de um ser vivo, desde sua fecundação até o fim do estágio embrionário.
Para a realização da FIV, é necessária uma infraestrutura avançada, tanto do ponto de vista da tecnologia como da formação profissional. Os profissionais devem ser altamente especializados, assim como deve haver alta tecnologia no laboratório de embriologia, instrumentos e equipamentos diversos, atendimento humanizado e integral, apoio psicológico, entre outros.
A infraestrutura é fundamental para que o casal realize seu sonho de ter um filho.
Investigação da infertilidade
A FIV é indicada para a maioria dos casos de infertilidade. Entretanto, avalio o casal individualmente para verificar o procedimento que deve proporcionar o melhor resultado, com maior índice de sucesso, possibilitando a gravidez mais rapidamente. Essa avaliação é necessária a fim de indicar a técnica a ser utilizada, lembrando que a relação sexual programada (RSP) ou a inseminação artificial (IA), ambas técnicas de baixa complexidade, podem ser suficientes para que a gravidez ocorra.
Casos mais simples podem ser resolvidos com técnicas de baixa complexidade. Distúrbios ovulatórios podem ser superados com a estimulação ovariana de baixa intensidade e indução da ovulação, como ocorre na RSP. Os casos de infertilidade por fatores masculinos leves podem ser resolvidos com a IA, pois o sêmen, depois de ser coletado, passa por um preparo antes de ser depositado na cavidade uterina.
Portanto, a avaliação do casal é o primeiro passo para o diagnóstico e conduta terapêutica. Durante a consulta médica, é possível analisar o histórico, os sintomas e informações adicionais necessárias para conduzir a investigação da infertilidade. Após essa análise, solicito os exames indicados para o casal.
Para o homem:
- Espermograma;
- Ultrassom de bolsa testicular com dopplerfluxometria colorido;
- Capacitação seminal (já para avaliar a possibilidade de sucesso na FIV);
- Dosagens hormonais.
Para a mulher:
- Ultrassonografia transvaginal;
- Reserva ovariana;
- Histerossalpingografia;
- Dosagens hormonais;
- Histeroscopia diagnóstica;
- Ressonância magnética.
Os resultados dos exames, assim como o histórico do casal, fornecem informações essenciais para o diagnóstico da infertilidade e a proposta terapêutica.
Indicações
Atualmente, do total de casos de infertilidade, 40% são por fatores masculinos; 30% são por fatores femininos; 10% são pela combinação de ambos os fatores; e 20% são por fatores desconhecidos, o que caracteriza a infertilidade sem causa aparente (ISCA).
Determinar os fatores da infertilidade não é uma tarefa fácil, mas há problemas que são mais comuns, como a baixa qualidade dos gametas, tanto masculinos como femininos.
Dessa forma, a FIV pode ser indicada para homens que apresentem:
- Número total de espermatozoides abaixo do mínimo estabelecido, que é de 39 milhões no sêmen ejaculado (condição chamada oligozoospermia);
- Ausência de espermatozoides no sêmen ejaculado (condição chamada azoospermia), que pode ser provocada também pela vasectomia;
- Espermatozoides de baixa qualidade: morfologia e motilidade abaixo dos parâmetros estabelecidos;
- Falhas em RSP ou IA.
Se a oligozoospermia for leve, pode ser indicada a IA inicialmente. Se não houver sucesso na IA, então indico a FIV.
Existem outras condições do sêmen e dos espermatozoides que podem ser determinantes para a indicação de FIV, como número baixo de espermatozoides vivos (vitalidade). A fertilidade é um aspecto complexo do ser humano. Muitos distúrbios podem causar infertilidade.
Já para as mulheres, a FIV pode ser indicada nas seguintes condições:
- Baixa reserva ovariana (óvulos em quantidade e qualidade reduzidas);
- Idade superior a 35 anos;
- Mulheres com laqueadura ou com obstrução das tubas uterinas;
- Mulheres que sofreram abortos de repetição e têm indicação de pesquisa genética;
- Falhas em RSP ou IA.
A FIV também pode ser indicada, de modo geral, para casais que não têm diagnóstico definido de infertilidade, mas não alcançaram o objetivo da gravidez. Para considerar um casal infértil, a gravidez não deve ocorrer após um ano de relações sexuais regulares sem uso de contraceptivo.
Se a mulher tiver mais de 35 anos, esse tempo pode ser reduzido para seis meses.
A técnica pode ser utilizada também por casais homoafetivos ou pessoas solteiras que queiram optar por produção independente.
Como é feita a FIV?
A FIV oferece diversas possibilidades, de acordo com os problemas do casal. É o tratamento mais completo de reprodução assistida e com mais recursos para que o casal consiga uma gravidez saudável. Esse procedimento acontece, basicamente, em 5 etapas principais, além da consulta inicial e o teste de gravidez. A pesquisa genética do embrião também pode ser feita como uma etapa adicional, assim como pode ser necessário o congelamento de embriões excedentes.
A FIV envolve, ainda, uma série de técnicas complementares, como a doação de sêmen, óvulos e embriões, teste de receptividade endometrial (ERA), hatching assistido, testes genéticos, entre outras. Abordamos cada um desses assuntos em textos específicos.
Primeira etapa: estimulação ovariana e indução da ovulação
A cada ciclo menstrual, os ovários recrutam, devido à ação de hormônios, como o folículo-estimulante (FSH), um número elevado de folículos, que são como bolsas que contêm os óvulos. Contudo, apenas um folículo amadurece e se rompe, liberando o óvulo, processo chamado de ovulação, que caracteriza o período fértil da mulher. Isso acontece, geralmente, no 14o dia de um ciclo menstrual regular.
Na FIV, assim como em outras técnicas de reprodução assistida, fazemos a estimulação ovariana com medicamentos hormonais. Geralmente, prescrevo por cerca de 10 dias para estimular a ovulação. Durante esse período, o ovário recruta um número maior de folículos, mas isso depende de diversos fatores, sendo o principal deles a idade da mulher. Quanto mais avançada a idade da mulher, menor é a resposta, tanto em termos de qualidade como quantidade de gametas produzidos.
A estimulação ovariana precisa ser acompanhada criteriosamente para que a mulher não desenvolva a síndrome do hiperestímulo ovariano, condição muito rara hoje, em que ocorre um excesso de produção hormonal pelos ovários e alterações metabólicas, como distúrbios da coagulação sanguínea, excesso de líquido na região do abdômen e pulmões.
O crescimento folicular é monitorado por ultrassonografia seriada e exames de dosagens hormonais. Quando os folículos atingem o tamanho adequado, é administrado o hormônio hCG. Após 35 horas, é realizada a coleta dos óvulos.
Segunda etapa: punção ovariana
Depois do estímulo à ovulação, a mulher é encaminhada para a punção, que é feita em ambiente cirúrgico e sob efeito de anestesia.
Com o auxílio do ultrassom, punciona-se com uma agulha extremamente fina para retirar o líquido folicular diretamente de dentro do ovário. Os óvulos podem ser encontrados dentro do folículo ovariano, sendo no máximo um óvulo para cada folículo. Existem folículos vazios, ou seja, sem óvulos. O procedimento tem duração média de 20 minutos.
O líquido extraído é encaminhado para o laboratório de embriologia, que faz a identificação e separação dos óvulos viáveis à fecundação.
O sêmen é coletado em laboratório no mesmo dia da punção ovariana e enviado ao laboratório para o processamento. Esse procedimento é fundamental para separar os melhores espermatozoides e aumentar as chances de fecundação.
Outra forma de coleta de sêmen é por procedimento cirúrgico (PESA, MESA, TESE e Micro-TESE). Os espermatozoides podem ser retirados diretamente dos testículos ou dos epidídimos. Esses procedimentos são indicados quando o homem tem uma quantidade muito reduzida de espermatozoides no sêmen ejaculado.
Em casos mais graves, tanto os óvulos como o sêmen podem ser obtidos em bancos de gametas.
Terceira etapa: fecundação dos óvulos
Depois de coletados os óvulos e os espermatozoides, é feita a fecundação por meio de uma técnica denominada injeção intracitoplasmática de espermatozoide (ICSI).
Nessa técnica, cada um dos espermatozoides coletados é injetado diretamente dentro de cada óvulo com o auxílio de uma agulha extremamente fina.
Os óvulos e os espermatozoides são mantidos em um meio de cultura e, depois da fecundação, são colocados em incubadoras para que o embrião formado se desenvolva por alguns dias.
Quarta etapa: cultivo embrionário
O tempo de cultivo embrionário em laboratório depende diretamente da estratégia que será utilizada na transferência. Os embriões podem ser transferidos a qualquer momento do cultivo, mas o mais comum é que a transferência seja feita em D3 (terceiro dia de desenvolvimento, quando o embrião tem de 6 a 8 células) ou D5 (quinto dia de desenvolvimento, quando normalmente o embrião atinge o estágio de blastocisto).
De modo geral, prefiro a transferência de embriões em estágio de blastocisto (D5), principalmente quando há indicação de pesquisa genética, o que nem sempre é viável.
A pesquisa genética é indicada, por exemplo, quando a mulher sofreu abortos de repetição. Nesses casos, o ideal é fazer o cultivo até o 5o dia, quando o embrião está no estágio de blastocisto e já tem um número maior de células para análise.
Nesse momento, fazemos a biópsia do embrião e retiramos as células para análise. São analisadas de 5 a 6 células nesta fase do desenvolvimento embrionário. Como há mais material genético em D5 que em D3, a análise é mais completa. O método de referência é o NGS para análise dos 24 cromossomas para pesquisa de aneuploidias (alterações no número de cromossomos das células embrionárias).
Por outro lado, o embrião pode ser de má qualidade, o que pode dificultar seu desenvolvimento até o 5o dia. Nesses casos, há a possibilidade de não ter nenhum embrião para ser transferido ao final dos 5 dias. Em situações como essa, deve ser considerada a possibilidade de transferir em D3, avaliando o custo-benefício desta opção.
No final desse período, é possível selecionar os melhores embriões para a transferência.
O cultivo embrionário, atualmente, pode ser realizado da forma tradicional ou utilizando o embrioscópio. Na tradicional, o embriologista retira os embriões da incubadora para checar a vitalidade deles a cada 24 horas. Com a utilização do embrioscópio, os embriões são monitorados em tempo real e permanecem em cultivo na incubadora (provida de microscópio e câmera fotográfica). Portanto, a análise dos embriões é feita pelo embriologista com base nesta sequência de imagens, sem a necessidade de retirá-los da incubadora. O primeiro bebê fruto desta tecnologia nasceu em Valência, Espanha, em 2010. Dispomos desta tecnologia no Brasil e podemos aplicá-la para otimizar as taxas de gravidez em ciclos de FIV.
Quinta etapa: transferência embrionária
A transferência embrionária é uma etapa fundamental para o desenvolvimento da gestação no útero materno. É nesse momento que pode haver uma maior ou menor possibilidade de gestação múltipla (possível consequência da transferência de mais de um embrião), uma vez que podem ser transferidos até três embriões, dependendo da idade da mulher.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) determina que o número de embriões a serem transferidos está limitado à idade da paciente. Quando os óvulos são doados, considera-se a idade da doadora, não a da receptora.
Se os embriões forem de ótima qualidade, posso transferir apenas um, evitando a gestação múltipla. Essa conduta depende de uma série de variáveis e do casal. O objetivo do tratamento é uma gestação única e saudável, minimizando os riscos pertinentes às gestações múltiplas, tanto para os fetos como para a gestante.
É relativamente comum que, ao término do procedimento, haja embriões excedentes com qualidade para serem congelados. Pela lei, hoje, o casal não pode descartar esses embriões. Eles devem ser congelados e mantidos por pelo menos três anos, mas existe a possibilidade da doação.
Sexta etapa: congelamento de embriões
O congelamento de embriões é feito após a fertilização dos óvulos pelos espermatozoides em laboratório e tem dois objetivos principais.
O primeiro é congelar todos os embriões formados em um ciclo de FIV para a transferência em ciclo futuro. Essa técnica é conhecida como freeze-all e tem indicações específicas: endométrio não adequadamente preparado para receber o embrião e quando há hiperestímulo ovariano.
Não indico essa técnica como regra porque, dependendo da qualidade dos embriões, eles podem não resistir ao processo de congelamento e descongelamento. Estudo individualmente cada caso para propor a melhor conduta. De qualquer forma, havendo alguma dúvida, recomendamos o congelamento. Atualmente, a taxa de sobrevivência dos embriões após o descongelamento permite esta opção, com êxito nos resultados de gravidez.
O segundo é congelar os embriões excedentes. Se o casal produziu um número de embriões acima do que será transferido, seja porque é um número superior ao recomendado pelo CFM, seja porque a estratégia de transferência não utilize todos, esses embriões devem ser congelados por, pelo menos, três anos ou doados.
Conclusão da FIV
O teste de gravidez é realizado 10 dias após a transferência, caso seja de blastocisto (embrião D5). Em casos de transferência em D3, o teste é realizado 12 dias depois da transferência.
Chances de sucesso da FIV
A FIV oferece as maiores taxas de sucesso entre as técnicas de reprodução assistida, podendo chegar a 40% em um ciclo, dependendo, principalmente, da idade da mulher e da qualidade do embrião formado. Se houver comprometimento dos gametas e consequentemente dos embriões, o sucesso pode ficar em torno de 30%.
Por essa razão é importante a individualização do tratamento. Analiso cada caso para propor a conduta que vai potencializar ao máximo a taxa de sucesso, pois o objetivo maior da FIV é a gravidez.