Diferente do que muitos pensam, não é somente a impossibilidade de fecundação que define a infertilidade conjugal, que na realidade consiste tanto em não conseguir uma gestação, mesmo após 12 meses de tentativas, mas também em perdas gestacionais, se frequentes e especialmente sequenciais, que podem significar infertilidade feminina.
Quando a mulher passa por dois ou mais abortamentos espontâneos, tendo conhecimento de que estava grávida, chamamos a esse quadro de aborto de repetição, embora a palavra aborto se refira somente ao material biológico perdido no abortamento.
Estima-se que cerca de 5% das mulheres em idade reprodutiva passem por abortamentos de repetição, o que mostra a presença de problemas especialmente relacionados à saúde uterina e gera consequências complexas, inclusive psicossociais, como sentimento de frustração, angústia, além de depressão e ansiedade.
Os motivos pelos quais um casal passa por perdas gestacionais sucessivas são diversos e por isso é importante conhecer as causas desse quadro, para que as melhores abordagens sejam encaminhadas, inclusive para aqueles que estão em tratamento com reprodução assistida, já que dependendo do diagnóstico, mesmo esses procedimentos podem ser prejudicados.
Este texto mostra tanto as formas de auxílio que a medicina reprodutiva pode oferecer às mulheres que estão passando por perdas gestacionais sequenciais, como também os riscos de aborto de repetição durante esse tratamentos, aproveite a leitura!
O que provoca aborto de repetição?
Para compreender o que pode levar ao quadro de aborto de repetição, vamos observar rapidamente como a gestação acontece.
Após a fecundação, que por vias naturais acontece no interior das tubas uterinas, o embrião é transportado para a cavidade uterina, onde deve fixar-se no endométrio para dar início à gestação. Tanto a ovulação, que libera o óvulo para fecundação, quanto a preparação do útero para receber o embrião, são processos mediados por uma dinâmica hormonal complexa e interdependente.
Se existem falhas no preparo endometrial, de origem hormonal, genética ou adquirida, ou outros fatores que interfiram principalmente na saúde deste tecido ou na interação do embrião com ele, o concepto pode ser reconhecido como um agente agressor do endométrio, que se encarrega de eliminar o risco.
Por trás desse quadro podem estar problemas especialmente relacionados às seguintes alterações:
- Trombofilia;
- Problemas imunológicos;
- Problemas genéticos;
- Incompatibilidade causada pelo DNA do espermatozoide;
- Alterações na dinâmica hormonal feminina;
- Distorções uterinas;
- Incompetência istmo-cervical;
- Infecções no trato reprodutivo feminino.
Algumas, como a trombofilia, não podem ser curadas, mas podem ser controladas com auxílio de medicação específica, antes e durante a gestação. Outras, como as distorções uterinas e os casos de incompetência istmo-cervical, podem ser tratadas por via cirúrgica com bons resultados para que a mulher consiga a gestação por vias naturais.
As infecções das estruturas reprodutivas da mulher, especialmente quando existe um quadro de endometrite, que nem sempre manifesta sintomas, podem prejudicar o funcionamento desse tecido e, consequentemente, levar à perda gestacional.
Outros aspectos, como fatores imunológicos femininos e a incompatibilidade entre embrião e o endométrio, em função de alterações no DNA espermático, normalmente recebem indicação direta para reprodução assistida, que proporciona um controle maior na seleção de embriões, buscando aqueles com menos chance de incompatibilidade.
Como a reprodução assistida pode ajudar casais que estão passando por aborto de repetição?
É importante lembrar que, mesmo a medicina reprodutiva oferecendo hoje três técnicas para o tratamento da infertilidade conjugal – RSP (relação seuxia programada), IA (inseminação artificial) e FIV (fertilização in vitro) –, apenas a FIV é adequada para abordagem dos casos em que a infertilidade é decorrente de problemas na receptividade endometrial.
A FIV é uma técnica dividida em 5 etapas principais: estimulação ovariana e indução da ovulação, punção folicular e preparo seminal, para coleta e seleção de gametas (masculinos e femininos), fecundação em ambiente laboratorial, cultivo dos embriões e finalmente sua transferência para o útero, que deve estar perfeitamente preparado para recebê-lo.
Quando a mulher apresenta riscos de perda gestacional relativa ao quadro de aborto de repetição, a FIV possibilita o congelamento de todos os embriões conseguidos após a fecundação, num porcesso chamado freeze-all, para que outros procedimentos possam ser feitos com objetivo de melhorar a receptividade endometrial, além da seleção genética de embriões saudáveis. Assim os embriões selecionados são transferidos em outros ciclos, mais oportunos.
O preparo endometrial controlado é feito com medicamentos à base de hormônios, principalmente estrogênio e progesterona, e o desenvolvimento do endométrio é monitorado por ultrassonografia transvaginal.
A pesquisa genética embrionária (PGT-A) permite a seleção de embriões saudáveis, minimizando uma das principais causas de aborto de repetição.
Somente quando o endométrio apresenta boa taxa de receptividade os embriões saudáveis são descongelados e transferidos para que a gestação tenha início.
O abortamento de repetição pode acontecer durante o tratamento por reprodução assistida?
Sim, ainda que essa situação não seja muito comum, pois antes da indicação para os tratamentos o casal passa por diversos exames com o objetivo de evitar a perda gestacional.
Isso acontece, na maior parte das vezes quando existe um quadro de endometrite, que pode ser causado por infecções ativas (e assintomáticas, principalmente), mas também como reação inflamatória às cicatrizes deixadas por infecções sobre a superfície do endométrio, mesmo já tratadas e curadas.
O sistema imunológico reage tanto à ação das infecções ativas, quanto à presença de corpos estranhos no endométrio, como as cicatrizes, disparando processos inflamatórios que alteram a composição celular e bioquímica do endométrio.
É importante, por isso, que o diagnóstico para as causas dos abortamentos de repetição seja feito cuidadosamente, para que seja possível utilizar as técnicas complementares à reprodução assistida, como por exemplo o teste ERA (avaliação da receptividade endometrial) o preparo endometrial controlado, a pesquisa genética dos embriões (PGT-A) e a transferência de embriões congelados, que melhoram as chances de gravidez, mesmo para mulheres com dificuldades para levar a gestação a termo.
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