O novo coronavírus (SARS-CoV-2) foi detectado incialmente na cidade de Wuhan – China e, rapidamente, disseminou-se pelo mundo. Esta pandemia chamou a atenção pela sua rápida transmissibilidade e letalidade predominante na população acima de 60 anos de idade.
Ainda não sabemos tudo sobre a doença, mas diversos estudos já revelam algumas de suas características importantes.
Neste texto, vou apresentar o que sabemos sobre a COVID-19 e detalhes sobre a transmissão vertical (da mãe para o feto), assunto que abordei no capítulo que escrevi para o livro da SBRA (Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida) sobre a doença.
O que sabemos sobre a transmissão da COVID-19
A via de transmissão da COVID-19 ocorre por contato interpessoal, através de gotículas de saliva, secreções respiratórias e contato com objetos contaminados. Atualmente, há cerca de 3 milhões de pessoas infectadas no mundo e 135.000 mortes (OMS). No Brasil, o número de infectados atingiu a marca de 50.000 pessoas até meados de abril de 2020 (ANVISA).
Sintomas da COVID-19
Os principais sintomas desta doença são relacionados ao trato respiratório, como tosse, dor de garganta, dificuldade para respirar, febre e achados atípicos no exame radiológico pulmonar. Em alguns casos graves, há o desenvolvimento da Síndrome de Angústia Respiratória Aguda.
COVID-19 e as gestantes
A infecção por COVID-19 acomete todas as faixas etárias, incluindo mulheres jovens em idade reprodutiva e gestantes. A redução fisiológica da capacidade de expansão pulmonar durante a gravidez, especialmente no terceiro trimestre, leva a uma limitação ventilatória que pode contribuir para o agravamento do quadro de pneumonia associado ao novo coronavírus.
Além disso, as gestantes apresentam uma alteração do estado imunológico que, teoricamente, pode torná-las mais susceptíveis a qualquer doença infectocontagiosa.
A pneumonia materna está associada a um aumento do risco de parto prematuro, restrição de crescimento fetal (RCIU), óbito fetal e neonatal. A transmissão materno-fetal é questionada nesta patologia, contudo, até o momento, não há um consenso sobre o real impacto desta doença em grávidas.
O SARS-CoV-2 apresenta-se menos virulento que outros coronavírus previamente identificados, como o SARS-CoV e MERS-CoV, responsáveis por grave acometimento respiratório em gestantes.
Há uma similaridade estrutural entre os coronavírus, e sua atuação na célula hospedeira é mediada, principalmente, pelo receptor ACE2, componente do sistema renina angiotensina. Este receptor, que viabiliza a ação viral, foi encontrado em órgãos-alvo, como pulmões, coração, rins e placenta. A presença desse receptor na placenta alerta para possibilidade de transmissão vertical.
Há vários relatos clínicos sobre o comportamento viral em gestantes e neonatos, contudo a transmissão vertical ainda não está fundamentada.
Capítulo do livro da SBRA sobre a transmissão vertical
O capítulo do livro é um estudo que visa esclarecer a possibilidade de transmissão vertical do COVID-19. Fizemos uma revisão sistemática da literatura a fim de esclarecer e orientar o planejamento familiar e acompanhamento de gestantes nesse momento, assunto de fundamental importância hoje para todas as pessoas que buscam ter filhos.
Todos os estudos observacionais com suspeita de transmissão vertical e revisões sistematizadas que avaliassem o risco de transmissão vertical do COVID-19 foram considerados elegíveis.
Desde o aparecimento dos primeiros casos de infecção por COVID-19, na China, no final de 2019, a comunidade científica vem analisando todos os relatos de caso e estudos para definir se ocorre transmissão vertical do vírus e criar um protocolo de atendimento às gestantes.
Esse cuidado deve-se aos eventos adversos observados na gestação quando da infecção pelo vírus Sars-CoV-1 durante a epidemia de 2002, em que houve aumento expressivo da morbidade das gestantes com aumento do número de abortos e de restrição de crescimento intrauterino de forma a torná-las um grupo vulnerável.
Outro estudo demonstrou que não parece haver agravamento do quadro clínico das pacientes gestantes infectadas por COVID-19. Os autores relataram que 86% das gestantes apresentaram sintomas médios, 9,3% sintomas severos e apenas 4,7% apresentaram a forma crítica da doença, sendo esse um resultado comparável ao da população não gestante.
Nosso estudo realizou uma revisão nas principais bases de dados médicos até dia 30 de abril de 2020 na busca de relatos de transmissão vertical do vírus. Do total de artigos inicialmente selecionados, apenas 2% foram elegíveis, sendo esse número menor que o de outro importante artigo, que encontrou 4% de estudos elegíveis.
Devido ao pequeno número de casos incluídos nos estudos analisados, por serem na maioria retrospectivos não randomizados e sem critérios claros de seleção, a evidência científica é de baixa qualidade, assim como ocorreu com o outro artigo mencionado.
Outra fraqueza desse estudo é a impossibilidade de se estratificar por idade gestacional, tipo de teste realizado, confinamento materno pós-nascimento e hora da realização do exame no neonato.
Conclusões do estudo
Após selecionarmos os 8 artigos elegíveis, identificamos apenas três casos suspeitos de possível transmissão vertical, dois casos na China e um no Irã. O primeiro caso da China apresenta um viés de metodologia, pois a coleta do swab de orofaringe do neonato para realização de PCR não foi realizada no momento do parto, o que não garante de forma inequívoca a ocorrência de transmissão vertical.
No segundo caso chinês, o diagnóstico de possível transmissão vertical foi feito pela positividade da IgM duas horas após o parto, porém seguidos testes de swab com PCR não identificaram o vírus na faringe.
Por último, no Irã foi identificado por PCR o vírus no líquido amniótico durante a realização da cesárea, mas não houve positividade nas amostras de nasofaringe. Isso sugere a possibilidade de contaminação perioperatória.
Das revisões sistematizadas elegíveis para compor nosso estudo, um total de 238 gestações e 174 partos foram avaliados. Desse total foi encontrado apenas um caso suspeito de transmissão vertical, relatado no parágrafo anterior. Os outros dois casos que descrevemos como suspeitos não estavam inclusos nessas revisões.
Embora nas revisões sistematizadas tenhamos dados clínicos e de morbimortalidade em gestantes infectadas com COVID-19 e seus recém-nascidos, o dado específico de transmissão vertical, objetivo dessa revisão, é escasso.
Baseado nessas informações, não é possível confirmar a existência de nenhum caso de transmissão vertical do COVID-19 até a data de seleção dos artigos. Entretanto, são necessários mais estudos com desenho metodológico correto para dirimir todas as dúvidas e recomendar um protocolo de atendimento.
Ao prosseguir o levantamento bibliográfico em maio de 2020, identificamos um caso de transmissão vertical com identificação de positividade do teste PCR no líquido amniótico antes da rotura da bolsa e no recém-nascido, descrito por um grupo de pesquisadores franceses. Apesar desse relato, diante de inúmeros outros estudos analisados, podemos inferir que a transmissão vertical é possível, mas a sua ocorrência na COVID-19 é muito pouco provável.
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